sábado, 9 de março de 2013

As cartas que o meu pai me há-de escrever. Parte V – Despedida

Eu sou e serei feliz quando te deixar aqui.


Se é para ser livre, antes tu do que eu.

sexta-feira, 8 de março de 2013

As cartas que o meu pai me há-de escrever. Parte IV – Disrupção

Se eu planto uma árvore, a rego diariamente, lhe corto as folhas e a protejo do vento, vejo na sua maturidade o trabalho que tive. E orgulho-me dela revendo-me em cada ramo mais forte ou mais fraco. Na cor de cada folha e no sabor de cada fruto.
Às tantas não agrada a muitos, mas espelha-me a mim e pronto.

Descobri contigo que afinal essa diferença não me fere. 
Se a "diferença" está na matéria que eu criei, como pode, afinal, ser tão diferente de mim?

Tudo o que eu não compreendia se tornou compreensível e natural através de ti.

"As naturalidades não se discutem!"
Talvez por isso não se fale do assunto.

Nunca pedi uma nora. Não sei o que é isso nem sei se quero descobrir. 
Quero o que tenho sem margem para surpresas. E as mulheres são mais más que os homens.

E nunca disse que querer um neto. Tenho orgulho no meu filho.
E quero que o meu filho seja o que eu quero mais. E não quero querer mais a ninguém.


És tu que mereces ficar com a minha vida quando ela acabar. 
Tu, sobretudo tu, és o sentido de ela começar e acabar.

quinta-feira, 7 de março de 2013

As cartas que o meu pai me há-de escrever. Parte III – Semente

Nunca fiz questão que estudasses muito. Nem pouco, pelo que me lembro.
Ponho-me a pensar se terá bastado pagar-te o colégio e ir buscar-te ao fim da tarde.
Às vezes ao fim da noite.

Devia ter insistido mais? Ainda vou a tempo de compensar?
Nem me lembro se tiveste boas notas. Mas lembro-me de te ver abatido nos tempos da faculdade.
Custou-me a pagar mas custou-me mais não te ter à mesa de jantar nas noites de escola.

Uma vez, em criança, apareceste para almoçar de cara marcada. Pela vergonha de admitir que a professora te batera, disseste ter sido um colega.
Era a primeira classe e enganaste-te nos deveres.
Fizeste o exercício errado. E apanhaste.

Anos depois consumiu-me a raiva e a vergonha que senti por tu, tão novo, andares em certas brincadeiras com o filho da vizinha.
Se eu tivesse sabido na altura que as tinhas também com a filha de outra vizinha, teria reagido de modo semelhante? Talvez igual.

O medo da opinião dos outros.
A imagem que têm de nós.
Somos iguais.

Sei que sofres e choras como eu em segredo. Sofres e choras por motivos que os outros não compreendem.
Compreendo eu que te fiz assim, sem saber.

És bom como ninguém. És bom como eu.
Sem nos gabarmos mas, ao mesmo tempo, orgulhosos por o sermos.

Tens o dom convincente da palavra e, às vezes, a rispidez de quem ama verdadeiramente.
Esse dom hás-de o ter ganho para compensar a timidez e vergonha dos outros.
  
Já te meteste em vários projectos.
Apesar de ser raro ver-te levar alguma coisa até ao fim, orgulho-me mesmo daquilo que não sei se fazes bem.

Gostei de te ouvir cantar porque o público aplaudiu.
Mas nem piano nem guitarra aprendeste a tocar.
Já é bom teres os instrumentos.
Pode ser que um dia lhes pegues.

Podias plantar uma árvore mas, pelos vistos, bastam-te os vasos na varanda e as amostras de plantas a que chamas jardim. Ainda te falta a paciência para esperar que uma árvore cresça.

Falta-te a persistência de um escritor para levar uma obra à conclusão. Jamais escreverias um livro.
Quanto muito um poema. De rima pobre.

E um filho não fazes.


Falta-te, paciência, persistência e muito mais.

quarta-feira, 6 de março de 2013

As cartas que o meu pai me há-de escrever. Parte II – Laços


Partir para a capital não foi um sonho concretizado. Calhou ser assim. Não calhou ser provinciano a vida toda, apesar de saber que ainda sou.

 Aquele "é já tempo d’embalar a trouxa e zarpar” soava-me sempre a ordem de despejo.
Ou era só eu queria voltar para a terra? 
Para casa. Para o frio da lareira e o assobiar dos pinheiros.

O santo nome de minha mãe por si só lhe deu lugar no Céu.

Já o bom coração lhe deu tormentos na Terra. 

O meu elemento primordial é este. A Terra, para onde hei-de voltar. O conforto e o calor castanho da terra ultrapassam a beleza azul da água e a liberdade asfixiante do ar.

Quero envelhecer no campo onde a tranquilidade que agora me enerva então me acalmará. Quero lareira e um alpendre. E um cão fiel que se deite a meus pés.

Tu também. Mas enquanto eu vou ter alguém, tu continuarás a querer ter toda a gente.

Nunca aprendi o que é paixão. Acho que sei o que é amor. E sei que nunca saberei outra coisa. 

Duvido que tu venhas a conhecê-lo.

Pobres e podres dedos os teus marcados de tantas alianças postas e tiradas.

Fazes lá ideia do que é amar incondicionalmente. 
Batia-te se te ouvisse dizer amo-te. 
Batia-te pela primeira vez.


Às vezes repreendes-me. Ninguém o faz tão assertivamente. Nem a tua mãe. 

Talvez a minha...

terça-feira, 5 de março de 2013

As cartas que o meu pai me há-de escrever. Parte I – As cerejeiras


Quando eu era pequenino, havia, dizem agora, um regime autoritário. Um regime que eu não senti porque, em tudo, aquilo era certo. Era a continuação da minha educação e valores familiares (à excepção do pai ausente).
Era a segurança de não haver diferenças. Tudo tão estável e sereno como a sombra dos pinheiros e o calor das amoras.
Acabei por sentir tudo aquilo quando deixou de existir, quando afinal a liberdade é que era boa, apesar de me assustar.

Naquele tempo em que o regime era certo, ser crismado era então muito mais que um mestrado. Agora que o regime é outro, a minha fé é mais genuína (no mínimo por achar que é decidida por mim).
Nunca quis questionar a fé, a religião ou a igreja. Ela é verdade porque não pode ser mentira. Ela é o melhor porque pensar numa alternativa seria aterrador. A lucidez pode doer e prefiro ser, por opção, enganado. Não quero, em boa verdade, por opção, conhecer opções.

Fui quase rico, não fora a ruindade de muitos. E seria tão diferente se não tivesse passado pelos episódios banais de quem divide uma sardinha por seis. Fosse tudo diferente e não daria eu hoje o valor que dou a tanta coisa tão pequena.

Pai! Pai? Mãe.

Mãe, tenho saudades. E ainda choro.

Nasci no ano em que dizem ter ido o primeiro homem ao Espaço. Loucos.
E afinal de contas, a partir de onde é que é Espaço?
Sei o que vejo. Desconfio do que falam e duvido da propaganda.

Gosto tanto de ouvir o acordeão.

Há muita coisa que gostava de ver para acreditar que existe. Gostava de ver sítios, vilas e cidades, não fora preciso embarcar e voar. Gosto da terra. 

Sempre gostei. Somos iguais.

E o medo do escuro? 

Perdi-o quando cresci e voltei a ganhá-lo quando o ganhaste.

A necessidade de aceitação é coisa tramada. Os outros. Sempre os outros.

Será porque eu não faço sentido sem os outros? 
Eu não posso ser sozinho. 
Nunca fui completo sozinho. 
Nem incompleto.

Poucas foram as vezes em que me deixaram só. Mas por bons motivos. E a ansiedade de vos esperar compensou sempre. Às vezes com prendas. Nunca cacei moscas com vinagre. Maricas, talvez.

Mas se não vos tivesse mais? 
Daria tempo para que viessem outros?
 Medo. Tal o medo que às vezes choro em segredo.

São os outros que diferem de mim ou eu que difiro dos outros?

Angustia-me e satisfaz-me ser diferente. Ora seria mais simples ser mais igual, ora sou mais pessoa por ser diferente.

Se não fosse o que sou, tinha sido carpinteiro. Gosto de tocar e cheirar a madeira. O fruto da terra transformado pelas minhas mãos.

Gabo-me dos pequenos feitos que a minha obsessão exige. Sou perfeccionista. 

Somos diferentes nisto. Tu não consegues.

Tinha sete anos ou menos quando ateei fogo no mato. Uma caixa de fósforos era um deleite para mim e dei-lhes uso, claro. Se fosse hoje dava prisão.


As tuas brincadeiras aos sete anos também dariam prisão no meu tempo.

Todas as maneiras de amar são legítimas

Soa a verdade de la Palisse mas para mim foi quase uma epifania. De modo que senti vontade de defender (ou pelo menos validar) esta tese.

Pensei em namoro. Em casamento. Em sedução. Curte. Engate. Amizade ou amizade-colorida.
Sexo. Paixão. A dois. A três. Ou até mesmo sem conta.
Mimos. Conversas. Passeios.
Amor. Fantasias. Saudade.
Perdão. Desejo. Conforto, simpatia ou apenas resignação.
Por ele. Por ela. Por ambos. Ou, simplesmente, por si.

E no momento em que que devia defender a minha tese não encontrei argumentos que a contrariassem. E acho que isso a validou. Pelo menos para mim, que é quanto basta.

Não existe, na verdade, um só motivo que ilegitime uma manifestação, uma forma, ou maneira de amar.

Vai haver, claro, quem queira extrapolar esta ideia de que "tudo se pode". E sim, tudo se pode. Sob a premissa de o amor ser respeito.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Há um cheiro hoje no ar que me é tão familiar.
Cheira a mudança. Ou a vontade dela.

domingo, 3 de março de 2013

A saudade

Premissas:
1 - Só se sente saudades do que se teve
2 - A saudade é um estado ou sentimento relativamente habitual
3 - Estamos frequentemente insatisfeitos com o que temos

Conclusão:
Somos uns esquizofrénicos. Nunca queremos o que temos, reflectimos no que tivemos e, no final de contas, queremos é outra coisa qualquer.

sábado, 2 de março de 2013

Isto da fé

A fé é de facto um fenómeno deveras interessante.
E torna-se ainda mais curioso no que toca a rituais, movimentos e manifestações colectivas.
Concorde-se ou não. Acredite-se ou não. É, sem dúvida, interessante.

Acho que sonhei com o meu filho

Que estranha esta memória de ter estado com algo que é de mim e que eu ainda não conheço. Tampouco conheço o sentimento de ser pai e ainda assim foi tão familiar.